Vitimização não tem solução

Ser vítima de algum fato, ter vivenciado negligência por parte dos pais ou até mesmo da sociedade traz muitas marcas em nossas psiquê e afeta diretamente nossa maneira de interagir com o mundo, devido às defesas que precisamos desempenhar para sobreviver.

Porém, a quantidade de traumas que passamos na vida não deve ser motivo para justificar nossas dificuldades. Via de regra, o que estou querendo dizer é que, ao invés de obstáculos no caminho, podemos olhar para os traumas como possibilidades de crescimento e resiliência.

Não é sobre romantizar o sofrimento. É sobre não se apegar ao ganho secundário do vitimismo. Todos nós estamos suscetíveis a sermos vítimas em diversas esferas de nossas vidas. Mas essa fase precisa ser temporária e gerar aprendizado para que a vida valha a pena.

Tem pessoas que têm verdadeiro fascínio para sentar-se na cadeira de vítima como uma tentativa de controle das pessoas a seu redor. É evidente que isso é uma defesa do ego e, na maior parte das vezes, a pessoa não percebe que está agindo assim. É a sua criança interior que está gravemente ferida querendo ser vista desesperadamente.

Porém, à medida que o tempo vai passando, se a pessoa não busca crescimento, ela vai se acostumando a esse papel, mesmo que sofra com isso:

 Quando criança, buscava a atenção dos pais se machucando, chorando, indo mal na escola. Foi crescendo e fazendo o mesmo para conter a atenção dos amigos na adolescência, buscando a atenção dos outros para si.

Na vida adulta, um pouco já mais consciente, pode perceber os prejuízos desse modus operandi, mas às vezes consegue calcular que precisaria mudar completamente os hábitos de uma vida inteira. Então ela permanece sofrendo, lamentando e se justificando.

Temos que lembrar que também existem aspectos culturais e religiosos que dignificam o sofrimento para a pureza da alma, criando crenças limitantes e pontos de vista enraizados difíceis de serem transmutados.

Como terapeuta sistêmica, olho para o cliente dentro da condição em que ele se encontra e imediatamente o acolho dentro de mim, juntamente com tudo que lhe aconteceu. E num processo, sigo com as intervenções cuja intenção é despertá-lo do transe para a realidade e encorajar mudanças de padrão. Durante um tempo.

Porém, como o próprio Bert Hellinger dizia, “o papel da vítima é a mais refinada forma de vingança”, ou seja, quando a pessoa recusa tomar seus pais, fica na raiva infantil e quer se vingar do mundo. A vítima que se comporta assim, quer transferir a responsabilidade de seu sofrimento para outras pessoas, fazendo-as se sentirem culpadas e devedoras.

É uma forma de pertencer, de seguir um padrão ancestral, de permanecer infantil, de obter a atenção das pessoas à sua volta. É a justificativa ideal para a não ação, de fazer as pessoas fazerem por ela o que ela mesma deveria estar fazendo por si e, mais filosoficamente falando, uma forma de perceber a si mesmo – sofro, logo existo. Às vezes pode existir um ego traiçoeiro por trás da dinâmica que faz a pessoa se indignar de se considerar tão importante para ser esquecido, como se ela fosse especial. Ninguém é especial, somos todos seres humanos. Sentir-se especial é perder-se no ego.

Se o terapeuta não coloca limite e fomenta isso, em algum momento ele também será mais dos culpados externos por não conseguir “resolver” os problemas de seu cliente. É uma armadilha!

E, finalizando novamente com Bert, “todo consolo para alguém que se lamenta apoia a sua não-ação”. Além da não-ação, ela sempre terá a companhia de alguém que, por uma razão ou outra, se enreda no papel de salvador. E assim ficam ali, limitados e enredados.

Qual sua escolha? Vítima, acusado ou salvador? Eu? Eu prefiro ser livre, reconhecendo que tenho todas essas três partes dentro de mim.

(Roberta Barsotti)

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